domingo, 22 de junho de 2008

Um choro

No meu quarto havia um espelho. Um antigo e bonito espelho, quase do meu tamanho, feito no início do século passado. Ganhei-o do meu avô, antes do mesmo falecer.
Uma noite em particular, eu estava sem sono. A janela estava aberta, e o frio invadia meu quarto. Aquele vento gélido se espalhava por todo o local, revirando até mesmo alguns papéis da minha escrivaninha. Não suportei, apesar da preguiça, deixar a janela aberta. Também fechei as cortinas, deixando tudo escuro, apenas com alguns feixes de luz da Lua para não deixar o local em uma escuridão total. Aproveitei que levantei da cama e catei os papéis avulsos que caíram da cômoda. Recolhi tudo, retornei-os de volta ao local e fui me deitar de novo, com a incrédula esperança de poder dormir...
As horas passavam, e o tic-tac do relógio da minha cabeceira deixava isso bem claro. Eu olhava para o teto, para as paredes, ligava alguma música, mas não conseguia ter sono. E então, aconteceu estranho algo. A música que estava tocando parou, e o relógio parou de contar o tempo. Ouvi um gemido, vindo do espelho. Pensei ser algum gato vagabundo escondido atrás do espelho, que invadiu meu quarto no momento em que a janela estava aberta. Levantei-me da cama com certo pesar no corpo, e fui ligar a luz, que para a minha surpresa, não acendia. Abri as cortinas, para a luz da Lua iluminar meu quarto. Ouvi de novo o gemido vindo do espelho, que mais parecia um choro.
Fui até o espelho, olhei nos arredores dele, mas nada encontrei, Naquele quarto, só havia eu e eu mesmo. Olho no espelho, e vejo o meu reflexo embaçado, e ouço de novo um choro. Desta vez, o choro vem de trás, da minha cama. Assusto desta vez, o choro era nítido, parecia uma criança pequena. Olho espantado para trás e vejo realmente um garoto, de uns 5 ou 6 anos talvez, recostada na cabeceira da cama, recolhida na sua existência e no seu choro. Um choro triste, baixo e melódico. Chego perto, aproximando devagar, muito assustado com aquilo que estou vendo. Vejo a criança chorar, e sento-me na minha cama, ao lado dela. Olho para ela e pergunto:

- Por que está chorando, criança?

- Porque tenho medo... - Respondeu a criança.

- E tem medo de quê? - Perguntei, curioso.

- Tenho medo do azul, assim como você tem medo do escuro... - Respondeu ele, com a voz tímida e amedrontada.

Naquele momento, entendi. Cheguei mais perto dele, e com ternura, o abracei forte. Ele chorou mais ainda, enquanto sentia o conforto do abraço. Ficamos assim por algum tempo, e quando o relógio voltou a correr, lembro-me de não mais sentir a presença da criança. Do mesmo jeito inexplicável que ela veio, ela foi embora. Neste momento, quando tudo parecia calmo, consegui cair em sono.

domingo, 15 de junho de 2008

Um presente do passado

O som do relógio na sala avisava que o novo dia estava começando. Um garoto entrava agora no mundo dos adultos, aquelas batidas do Cuco marcavam que começara ali o primeiro dia de sua nova vida como rapaz crescido. Oh, dezenove anos! Quantas coisas passavam pela cabeça deste rapaz? Ainda não havia caído a ficha de seus dezenove outonos vividos. Só agora, naquele escritório do seu finado pai e distante da festa proporcionada por seus familiares, é que ele começou a pensar nesta nova fase. Todo o recinto estava em escuridão, apenas a Luminária da mesa iluminava fracamente o escritório, e embalado por uma música suave no fundo da sala, o rapaz pensa sobre tudo que já viveu, e tudo que irá viver a partir daquele momento.
Subitamente, a porta do escritório se abre. Um senhor, de muita idade, entra. Era o avô do nosso protagonista. Ele, por um instante, observa o neto e relembra do seu falecido filho. O olhar do neto era o mesmo do seu filho. Isso remete o senhor às velhas lembranças: Ele recorda da festa de dezenove anos do seu filho. E algumas lágrimas teimam a descer no rosto dele...
Suas memórias são cortadas pela voz do neto. Ele volta para esta realidade, esta realidade que o seu filho não está aqui. Ele olha para seu neto, e pergunta o que ele estava fazendo ali, sozinho e no escuro. O rapaz desconversa, desvia o olhar e resmunga qualquer coisa do tipo "só estou com um pouco de sono". O avô conhecia aquele jeito, e tomou uma cadeira e se sentou em frente ao neto. Com um semblante tão sereno, o avô começou a falar com o seu querido neto:

-Hoje, olhando para você, lembrei-me do meu filho, que Deus o tenha. Ele ficou nesta mesma sala, pensando e vagando, enquanto o relógio batia os 12 sinos no seu aniversário. Nesta ocasião, quando seu pai fez dezenove anos, dei para ele um livro especial. Era um livro de capa dura, da cor azul. Tinha o título de "Meu Espelho". Suas páginas estavam em branco, era uma espécie de diário. Ele comentou dias atrás do seu aniversário que iria montar um livro dos melhores momentos da sua vida. Infelizmente, seu pai deixou o livro pela metade, ele morreu muito jovem, no auge dos seus vinte e quatro anos, acometido por uma doença grave. Deixou você, ainda um bebê, e sua mãe sozinhos. Antes de sua partida, no leito de morte, ele me devolveu o livro que lhe dei, disse que gostaria que ficasse comigo. Como eu queria ter dito mais coisas para seu pai naquele momento! Quantas oportunidades eu tive de falar com ele que o amava tanto, mas não demonstrei? E hoje, quase 20 anos depois da sua morte, eu lhe passo o livro que seu pai me deixou, como se eu estivesse me redimindo de tudo que eu poderia ter lhe feito e dito, mas não o fiz. Também lhe dou um outro livro, igual ao do seu pai, porém totalmente em branco, para que você escreva suas memórias. É o seu presente de aniversário...

Naquele momento, lágrimas descem no rosto de ambos. O neto recebe das mãos do seu avô os livros, e os segura perto do peito como um tesouro. O vovô se retira do aposento, deixando o garoto folhear o livro do pai e ler todas as lembranças do pai. Ele chega na última página do livro, e vê escrito duas frases de declaração. Ambas escritas à base de caneta de tinta, e nenhuma foi escrita recentemente. Nesta página havia "Eu te amo, meu filho", escrito pelo avô do garoto. E abaixo, estava um "Eu também te amo, meu pai", escrito pelas mãos do pai do rapaz. Uma declaração de amor entre pai e filho, sem dúvida alguma.
O que o rapaz não sabe é que há uma declaração na última página do seu livro. Uma declaração do seu pai, dias antes dele morrer. Mas deixemos isso para uma outra história...



Não deixe para Amanhã o que você pode fazer Hoje,
Pois o Amanhã pode ser Nunca Mais...

domingo, 8 de junho de 2008

O Delicado Som do Reflexo

Estou correndo no mesmo velho chão. Esta estrada já é conhecida, me guio através de tudo que já vivi. Estou em frente à porta, já estive aqui antes. Mas hoje sou diferente, a gente cresce, envelhece, ou coloca o pé nesta estrada. O Sol se põe, suspirando e desaparecendo lentamente. Tudo que carrego é uma chave, o meu tesouro. Deixando tudo para trás, vendo linhas brancas, o espelho vai ficando mais claro.
É nesta estrada que eu corro. Não sei para onde vou, mas sei que de onde vim, tenho medo de voltar. Esta estrada perdida não aceitas paradas. Com minhas prezes, aqui caminho, vendo o tempo e as milhas passarem. E peço ao Vento que guie meus passos, que seja o meu companheiro de viagem.
Para esta caminhada, queria um violão, as estrelas poderiam cantar alguma canção, enquanto componho algumas frases. Queria roubar um pedaço do tempo, e tornar este momento tão memorável quanto uma estrela cadente. Pois tudo isso é a razão das minhas emoções. É apenas a minha vida.
Finalmente encontrei meu caminho. Deixo tudo para lá, dou adeus. Começo a caminhar, estou livre nesta estrada, simplesmente deixo acontecer. É o meu Dia da Independência nesta Estrada Perdida.
E se existe algo em que eu me agarro, que me faz sobreviver todas as noites, é o que eu chamo de Sonhos. Vou viver a vida como ela deve ser vivida. Vou mostrar para o Vento como se deve voar. E quando eu ficar de frente para o mundo, digo: Tenha um ótimo dia!

domingo, 1 de junho de 2008

Poeira das Estrelas

Toda noite, era possível ver aquela estrela. Ela se destacava nos céus frios e solitários de outono. Brilhava de forma especial, chamava a atenção. Sua luz, em um misto de azul e branco, prendia a atenção daqueles que sonhavam. Para os sonhadores, aquela estrela era o estandarte dos seus desejos. Todos aqueles que sonhavam, sonhavam juntos com aquela estrela. Ela se transformou em um símbolo dos sonhos de nós, seres humanos.
E em uma bela noite, aquela estrela tomou consciência. Cansou de ser estrela, e queria sonhar também! Ganhou personalidade, adquiriu mente e pensamentos. Ganhou uma forma angelical, com um par de belas asas brancas. Todo seu corpo brilhava com a luz de uma estrela, brilhava de felicidade e emoção. A estrela materializou-se em um sonho!
E naquele instante, a estrela começou a dançar no vazio. Sozinha, sem nenhum tipo de companhia e som, ela dançava e cantava no espaço. Sua voz foi ouvida por todo o Universo, e sua luz iluminou as faces daqueles que sonhavam. Aquela estrela foi admirada por toda a noite, por olhos puros e sedentos de desejos.
Então, ela foi batizada naquele momento de "Poeira das Estrelas". Toda a noite, ela olhava para nós, enquanto cantava e dançava para os seus amigos sonhadores. Ela queria chegar até nós, mas tinha medo. Apenas nos observava, enquanto nós a observávamos também.
Ela apenas esperava nos céus. Esperava se tornar estrela cadente, e descer no espaço, para ir ao nosso encontro.
Ela apenas esperava nos céus, esperava por nós, esperava por sonhos...
Era somente uma estrela no vasto céu de outono...